_reabilitação para flertes;

_será que os aplicativos roubaram nossa capacidade de flertar em público?

_erinhoos
2 min readJun 13, 2024

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Para mim, a mera existência dessa coluna da Gama Revista, intitulada “Como flertar fora do Tinder”, é um artefato sociológico. Não, não! Na verdade é um sintoma dos tempos.

O texto, tal como manuais de relacionamento no melhor estilo “Dicas para apimentar a sua relação”, é organizado em forma de cartilha: “se abra para o mundo”, “reduza suas opções”, “busque afinidades, aposte em comunidades”, “se apegue menos a idealizações”.

Para mim o princípio mais interessante sociologicamente é: “não desista totalmente dos apps; mantenha-os como ferramentas de autoconhecimento”. Primeiro porque, assim, a ideia não era flertar offline?

Segundo, desde quando o Tinder é uma ferramenta de autoconhecimento? Os aplicativos de encontros, na verdade, estão muito mais para a estilização irreal de nós mesmos, o cultivo de interações superficiais, a indução ao sentimento de rejeição etc.

Enfim, é interessante a ideia da necessidade por detrás de um texto como esse, que aparece como um guia de ressocialização afetiva pós-redes sociais. Como diz o próprio texto, em um momento de lucidez, “vale lembrar que apps de namoro praticamente não existiam dez anos atrás”.

Alguém pode dizer que os aplicativos propiciam a possibilidade de encontros improváveis. Eu argumentaria que a popularização do uso indiscriminado de tais apps alimenta a hipotrofia das habilidades sociais, fato cujo caráter deletério sobrepuja enormemente, ao meu ver, os pontos positivos dos mesmos.

Não sabemos flertar e nos relacionar como nossos pais, perdemos a relação com as comunidades, com o afeto no espaço urbano.

Achamos que somos mais empoderados, mas a verdade é que estamos cada vez mais narcisistas e refratários ao encontro com o Outro, com o diferente, inclusive nos relacionamentos. (Sugiro o livro “Agonia do Eros” do Byung-Chul Han sobre o tema, que li recentemente.)

Não à toa, o princípio professado por essa coluna que eu mais concordo é este: “Se apegue menos a idealizações e mais a quem está à sua frente”. Não acho que ninguém tem que se “apegar” a nada. Mas sim enxergar. Escutar o Outro. Aplicativo nenhum te ensina a fazer isso.

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_erinhoos

_antropólogo, barista informal, errante incorrigível, cantor de karaokê, sérião nas horas vagas