_o céu de São Paulo

_erinhoos
2 min readOct 20, 2017

Pra quem é cria do centro expandido como eu, flagrar-se de repente em um lugar onde é possível contemplar a imensidão do céu é quase um susto. Num domingo pouco domingo (14°C), no «vão do MASP», jovens bichas se misturam aos aviãozinhos de treze anos. Em dez minutos serei abordado por alguma moça de cabelo rosa vendendo brigadeiros «mágicos». Hoje não há música aqui, como não há Sol. Mas se o olhar se pemitir encarar a bela vista da Bela Vista, ou passear por entre os edifícios e a obra máxima da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, lá estará ele, hoje pálido, amanhã azul-ciano, o céu, todo lindão, no meio, ou melhor, em cima da savana grafite.

Nem os movimentos em massa dos pequenos no arrastão, nem os gambés que eventualmente confiscam os baseados e fazem tremer as bichas, nem o vinho químico e nem os furgões do «Apoio à Remoção» (da dignidade profissional dos trabalhadores informais) do Dória, nada disso depõe contra a paisagem ignorada sobre os escalpos.

Em relação à abóbada celestial que se desenha no que podemos ver daqui da superfície da biosfera, tudo parece mesquinho e pequeno. Talvez a política, no fundo, seja um esporte, um dos mais sofisticados que já inventamos, cujo fim seja justamente, num ato de recalque, lidar com a existência tacanha e irrisória dos nossos pequeninos corpos.

São Paulo é recheada desses lugares sagrados, às vezes até públicos, de onde é possível testemunhar diferentes matizes da imensidão. São alguns edifícios, algumas praças e pontes, viadutos, tem até um elevado que é desativado quando há pouca demanda automobilística. Eles são pontos de escape dos efeitos que a contiguidade de ruas, corpos e prédios causa. É possível pular, rolar, correr — como nos parques — , exercer alguma criatividade espacial e deitar-se no chão e observar o céu, que, não obstante seja rarefeito em estrelas por conta da alta incidência de luz e da poluição, é a maior coisa que podemos ver. É maior que a metrópole, maior que a política, que a arte e que a ciência.

Esses lugares, por fim, funcionam como santuários. Eles abrigam um segredo irresistível, e por isso são evocados tantas vezes como bastiões do direito à cidade. Um segredo difícil de transformar em palavras, mas precioso para aqueles e aquelas que cotidianamente se vêm esmagados pelo peso da vida na urbanidade.

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_erinhoos

_antropólogo, barista informal, errante incorrigível, cantor de karaokê, sérião nas horas vagas