_nota sobre “Todos os nomes” do José Saramago;

_erinhoos
2 min readJun 5, 2024
Fonte.

Não tinha me dado conta como “Todos os nomes” do José Saramago fala tanto sobre solidão, até botar reparo neste vídeo que, inclusive, faz um ótimo resumo da trama. Este definitivamente é um grande tema no livro, pois narra ali as epifanias do Sr. José, que transforma seus hobbies em obsessões com recortes, palavras, personagens.

Não será à toa que o nome José corresponda ao título pacato de um personagem coringa. Tampouco que seja o mesmo prenome do próprio autor, que, como escritor, recorre à analogia com a busca incessante do auxiliar de escrivão em estabelecer carne, textura, profundidade para uma pessoa desconhecida — a jornada do autor na criação da personagem.

O livro também certamente tematiza o papel do registro, muitas vezes, é verdade, com niilismo e sarcasmo, seja por seu papel histórico, seja por um fim em si mesmo, em um retrato jocoso da burocracia. O acúmulo de nomes, registros e lápides, ao mesmo tempo maníaco e urgente em atestar cada centelha e filigrana de vida, se perde em estantes nunca visitadas, em lápides de difícil acesso, por corredores de proporções kafkianas.

Aliás, kafkiano é sem dúvida um dos melhores adjetivos para recursos narrativos como a conservatória, o sistema de hierarquias, a proporção do cemitério: toda grandeza obedece à ordem do absurdo, com tons de realismo fantástico, como se aquelas acrópoles fisiológicas encerrassem toda a história Ocidental. (Uma história fadada a ser interminável e, para todos os horrores, labiríntica e ilógica, quando sabotada ao sabor da pandeguice do pastor.)

E é no meio dessas absurdidades todas que o Sr. José (a referência à personagem Joseph K. de “O Processo” é óbvia) se subleva (ingenuamente, saberemos), surfando ao longo das convenções, etiquetas e protocolos para observar, como pode, essa paixão. Uma paixão cuja absurdidade, no entanto, reside no desejo, um desejo moleque, aventuresco e incontinenti, que será, de certo modo, recompensado.

A forma como o Saramago escreve é de uma sagacidade lúcida e terna, tão prenhe de ideias, abstrações e cinismos que torna a história muito mais interessante do que se fosse contada com frieza e objetividade. Recomendo muito a leitura.

Eu li a edição que tem essa capa. Comprei no Estante Virtual.

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_erinhoos

_antropólogo, barista informal, errante incorrigível, cantor de karaokê, sérião nas horas vagas