Eu particularmente gostei dessa foto porque ela é fake, cínica e vai gerar uma interpretação completamente enganosa a respeito do que é este texto. Fonte.

Lavagem antropológica & antropologia corporativa

Sectarismo epistemológico seletivo e antropologias corporativas possíveis, um comentário.

_erinhoos
3 min readAug 26, 2021

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«É possível para um antropólogo corporativo falar “a verdade ao poder” sem ser cooptado por ele?»
Anthro-Washing, Saanya Goyal Jain.

Essa citação foi tirada de um artigo que, por sua vez, é uma resenha crítica a um livro (Anthro-Vision, de Gillian Tett, que eu não li). Trata-se de uma contribuição tão ácida quanto incontornável dentro da comunidade de antropólogos/as que se pensam em termos do mercado profissional.

Passadas algumas décadas desde que o/a primeiro/a antropólogo/a pisou no Vale do Silício, o mercado no Brasil está entrando em um movimento um tanto contraintuitivo e deslumbrado que envolve extender os louros & dissabores do mundo corporativo a pessoas com a minha formação acadêmico-profissional, em um processo que acompanha tendências globais.

Eu não concordo com toda a crítica feita nesse artigo, já que vejo na minha prática do dia-a-dia e dos/as meus/minhas colegas a singularidade dos aportes que só a nossa formação técnica propicia. Contudo, é impossível deixar de reconhecer alguns pontos fulcrais no debate sobre o sentido prático e objetivo do trabalho antropológico-corporativo. Eu destacaria dois pontos que me interessam bastante nesse debate, acadêmica e profissionalmente.

Sectarismo epistemológico seletivo

A antropologia é a primeira ciência a celebrar a transdisciplinaridade. Contudo, a sua tradição de aliança à luta contra as opressões e o alto senso ético e moral que são típicos do métier podem deixar o/a profissional inseguro/a quanto aos princípios e valores que estão embutidos na sua prática em âmbito corporativo. Traumas & travas. Esse é um aspecto que está subjacente à crítica do texto, e que está no cerne da ciência: ó, antropologia, para que serves?, e quando e em que condições sua magia é autorizada? A busca por “valor” no trabalho antropológico não é uma obsessão exclusiva do campo de business, mas um imponderável incrustado na história e autocrítica da disciplina.

AntropologiaS corporativaS

Já está na hora da gente começar a entender (e explicar pro povo) o que faz do/a antropólogo/a uma pessoa com habilidades sedutoras. Trabalhar com consumer insights e marketing definitivamente não é a mesma coisa do que trabalhar com UX Research (como eu) que, por sua vez, é um trabalho definitivamente distinto da D&I. Ou service design. Ou inovação direcionada a desenho industrial. Ou, ou, ou… Por isso acho tão interessante a gente começar a coletivizar o debate e passar a ver o campo da antropologia em âmbito corporativo à luz de suas próprias dinâmicas, não apenas da crítica acadêmica. Porque ao fim e ao cabo, é e não é a mesma coisa, e é assim que as coisas estão.

Esse impulso corporativo dos últimos anos trouxe muitos cérebros e promessas de inovação. Falta talvez concretizar esse cenário através do amadurecimento do debate. Decerto pingos nos is não fazem muito o estilo dessa ciência e desses/as cientistas, mas uma reflexão densa a respeito do lugar do/a antropólogo/a vem se fazendo cada vez mais imperativa, pois é muita a desinformação que circula, o deslumbramento dos leigos e a culpa colonial e pós-colonial do cientista social. E são muitos os boletos a serem pagos.

Antropólogos corporativos. Para alguns/umas, capricho, para outros/as, indispensabilidade. E eu no meio, feliz à beça tomando o meu latte vendo o circo pegar fogo.

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_erinhoos

_antropólogo, barista informal, errante incorrigível, cantor de karaokê, sérião nas horas vagas